sábado, 20 de novembro de 2021

Özge Topçu abre a porta a obras de artistas de todo o mundo



Em plena pandemia, quando muitos artistas viam as vidas viradas do avesso, Özge Topçu decidiu arrendar um estúdio em Campo de Ourique. A artista plástica turca mudara-se há pouco para a capital portuguesa e precisava de um sítio onde guardar o material e trabalhar. Mas não se ficou por aí: aproveitando a janela para a rua, começou a pedir a artistas de todo o mundo que lhe enviassem as suas obras pelo correio, para o marco que fica ali ao lado, e depois expunha-as atrás do vidro.

Agora, no Hypercube Project Space, o trabalho de Özge passou a conviver com algumas dessas obras que, como a própria explica, "saíram da caixa" para uma exposição que mistura estilos, suportes e nacionalidades. Sentada no estúdio pintado de branco da Rua Almeida e Sousa, a artista conta que "esta é a continuação do meu trabalho. Sempre gostei de trabalhar em espaços públicos e de colaborar com pessoas".

O nome do espaço também não é um acaso. "Hipercubo é uma forma geométrica - é um cubo a quatro dimensões", um piscar de olho ao seu amor pela arquitetura e pela história, mas também uma visão que lhe surgiu de "juntar vários artistas num único espaço." "Esta não é uma galeria de arte, é um espaço artístico onde todos são bem-vindos e podem propor projetos". A única condição, além de estarem dispostos a partilhar o espaço, é que se inspirem em diferente disciplinas - signos, matemática, arte digital, arte experimental, etc.

A própria Özge gosta de experimentar e de criar "vários objetos, usando várias técnicas", de acordo com o momento e o local onde vive. Por exemplo, em Istambul as suas obras eram mais "arquitetónicas, inspiradas pela história de uma cidade por onde passaram várias civilizações".

Nascida em 1987 em Kirklareli, na parte europeia da Turquia, numa família sem qualquer ligação às artes, Özge começou por estudar ciências, mas garante que quando se vive em Istambul - para onde se mudou depois do liceu - "tem de se ser artista. Não temos outra hipótese. É uma cidade tão dinâmica e inspiradora". Ainda hoje, "é o meu primeiro amor".

A ideia de sair da Turquia surgiu-lhe depois de se licenciar, tendo ido para a Alemanha fazer o mestrado na Burg Giebchischenstein Kunsthochschule Halle, perto de Berlim. Dali seguiu para o Reino Unido, onde viveu uns meses com o namorado britânico. Com uma agenda dividida entre Berlim, Londres e Istambul, Özge decidiu que queria encontrar um lugar onde se pudesse concentrar no seu trabalho - "sem precisar de ter dois empregos só para conseguir sobreviver como acontece em Londres". Apaixonada pela vida em grandes cidades, mas desejosa de fugir aos preços proibitivos de algumas grandes capitais, há dois anos e meio acabou por escolher Lisboa.

Porquê Lisboa? "Porque é bastante parecida com Istambul [risos]." Özge garante que aqui se sente "confortável culturalmente", destacando as semelhanças entre os lisboetas e os habitantes de Istambul. "As pessoas não são tão individualistas como no norte da Europa, são mais tolerantes", destaca, sem esquecer que "tudo aqui em Lisboa tem uma escala humana".

Hoje é em Portugal que vive, mesmo se costuma passar três meses por ano em Istambul. Afinal duas cidades com tantas semelhanças, tal como as semelhanças entre a história de Portugal e a da Turquia - "ambos já foram grandes impérios" mas hoje são sociedades que "acham que há coisas mais importantes do que o dinheiro".

Portugal, claro, já inspirou a arte de Özge. Por exemplo, a instalação Terrania é uma homenagem à Terra e à terra enquanto material. "Nas grandes cidades quase não se vê o solo, as plantas, a natureza", explica a artista, feliz por viver num apartamento onde se vê terra pela janela. Para a Terrania, não hesitou em colaborar com oleiros portugueses, do Algarve, do Alentejo e da zona de Setúbal, num alerta também para a necessidade de proteger o planeta e o ambiente.

Apesar da primeira opção pelas ciências, Özge garante que sempre se sentiu uma artista. Aos 5 anos começou a aprender música e chegou a tocar vários instrumentos. Mas acabou por se virar para as artes plásticas. "Não faço exatamente o que as pessoas acham que os artistas fazem. Gosto de criar no meu mundo, mas sobretudo de criar uma visão", explica, rodeada por obras que vão da cerâmica a desenho ou pintura. E se não fosse a covid, talvez nunca se tivesse aventurado no digital. "Eu gostava de trabalhar no exterior em vez de estar sentada ao computador", conta, mas a pandemia fê-la compreender a importância de contactar com as pessoas através de realidade virtual.

Foi nessa altura que surgiu a ideia do Hypercube - um espaço como "incubadora de novas ideias e novos artistas, de partilha e solidariedade". Apontando para o canto do estúdio, para a obra Setsuna, de Ayumi Adachi, Özge explica que veio pelo correio do Japão durante a pandemia, num pacote em vácuo e, quando o abriu, expandiu-se. "Percebi que os artistas precisavam que os seus trabalhos fossem vistos. Também fora dos seus países. Sobretudo quando não se podia viajar", conta. Assim surgiu a Post Box Exhibitions, em que as obras que no confinamento estiveram na janela saltaram para o estúdio. É o caso também das obras do alemão Tobias Becker ou da portuguesa Susana Moreira. Mas a porta está aberta para mais artistas.

(Fonte: Diário de Notícias)

domingo, 26 de setembro de 2021

Pastel de Nata é moda na Turquia

"Moda da Nata" é uma pastelaria em Istambul, mais concretamente em Kadıköy, Moda, cuja especialidade é o pastel de nata português. 

Prestes a celebrar um ano de existência, no dia 6 de outubro, anunciou a presença, durante uma semana, do Chef de Pastelaria português Luís Ascensão, vencedor do Prémio de melhor pastel de nata de Lisboa em 2019 (Pastelaria Santo António, Lisboa). A ilustradora portuguesa Filipa Maceira também já por lá passou, deixando representações fantásticas de Fernando Pessoa e de José Saramago nas paredes.

Existem outros pontos de venda de pastéis de nata em Istambul e também em Ancara, e talvez em outras cidades da Turquia.

sábado, 26 de junho de 2021

"Unidos: 10 Escolhas para um Agora Melhor", de Ece Temelkuran, publicado em Portugal


Sinopse:

Este livro não é sobre a maneira como estragámos tudo, mas sobre o tipo de mundo em que queremos viver agora.

Em 2020, movimentos de protesto em todo o mundo revelaram as desigualdades incrustadas no tecido da sociedade. Os incêndios que devastaram a Austrália e a Califórnia tornaram claro que estamos no meio de uma catástrofe climática. A pandemia mostrou a todos a fragilidade da nossa economia e as teorias da conspiração que rodearam as eleições nos EUA demonstraram o mesmo em relação à democracia. Os governantes não têm respostas. Na realidade, os governantes são, muito frequentemente, o problema. A comentadora política Ece Temelkuran apresenta uma narrativa nova e convincente para o momento que atravessamos. Não para um futuro idealizado mas para o agora. E pede-nos que façamos uma escolha. Que escolhamos a determinação em vez da esperança; que enfrentemos o medo em vez de nos consolarmos com a ignorância; que poupemos a nossa energia para vigiarmos os que detêm o poder e os sistemas destrutivos por eles comandados, em vez de desperdiçarmos tempo a expelir fúria e insultos nas redes sociais.

Fonte: Bertrand

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Ahmet Hamdi Tanpınar: "O Instituto para o Acerto dos Relógios"


"O Instituto para o Acerto dos Relógios” (ed. Maldoror) é o cómico relato das dores de ocidentalização de um homem e do seu país, a Turquia, contada pelo olhar sagaz e ácido de um dos seus escritores maiores.

Ahmet Ahmdi Tanpinar tinha 22 anos quando, em Outubro de 1923, foi oficialmente fundada a República da Turquia. Foi com os seus próprios olhos que este antigo estudante de veterinária, posteriormente de literatura e professor universitário, viu a ocidentalização da Turquia. “O Instituto para o Acerto dos Relógios”, escrito em 1954 como uma série de folhetins para um jornal, é um sacrástico e bem humorado relato da ocidentalização da sociedade turca vista pelo olhar de Hayri Irdal, “o homem mais simples e tolo do mundo”, aprendiz de relojoeiro transformado em burocrata de uma nova instituição cujo propósito era abrir caminho para uma nova filosofia - “Vamos declarar que o ser humano é, antes do mais e acima de tudo, uma criatura que trabalha, e que trabalho é sinónimo de tempo.”

“Algumas pessoas vivem a vida tirando bom proveito do seu tempo, mas para mim o tempo era como uma perna estendida à minha frente e eu tropeçava nele.” Assim descreve o desafortunado Hayri a sua própria relação com o tempo, como uma repetição de azares e inconsequências, uma luta precária pela sobrevivência na babilónica Istambul. Com filhos e mulher para alimentar, Hayri vive de biscates, esquemas e trabalhos de escritório que mal chegam para sobreviver. Arrasta-se desencantado entre cafés e conversas, tenta regressar ao velho ofício, mas “Já não existia na minha cabeça qualquer ligação entre as palavras «vida» e «trabalho». Para mim a vida era um conto de fadas que inventamos de mãos bem afundadas nos bolsos.” 

Hayri relata as suas peripécias antes de se transformar num homem novo. Saltitava de capricho em capricho, acompanhado pelos seus conhecidos, que incluíam um farmacêutico alquimista, que tentava avidamente produzir ouro no seu próprio laboratório, e um profeta louco que encetou uma demanda por um tesouro escondido. Hayri ver-se-á envolvido num bizarro processo judicial, uma farsa kafkiana, que o entrega nas mãos de um prosélito de uma moderna religião - a psicanálise. Este é o ponto de viragem para o desesperado Hayri que, pela mão do psicanalista, trava conhecimento com aquele que irá ser o seu salvador. Hayri sofria muito, principalmente depois da morte da sua primeira mulher. Conhecia “todos os túmulos, campas e mausoléus de qualquer dos santos ou milagreiros que se podiam encontrar em praticamente qualquer bairro de Istambul”, mas pelas preces que lhes concedeu, nenhuma benção recebeu em troca. Nenhuma dessas entidades místicas “proporcionara qualquer bálsamo para as minhas feridas, nenhum mexera um dedo para acalmar a minha dor e o meu sofrimento na época em que eu lutava para alimentar a minha família.” Ao homem santo nada que lhe ofereçam na terra faz falta, “ofereciam tudo o que possuíam para viverem em condições mais abjectas do que as minhas, com o objectivo de disciplinarem a mente e fortalecerem a alma.” A estes interessa-lhes somente o que vem depois, almejam a eternidade a que a morte os há-de entregar, vivem fora do tempo, imunes à aceleração da civilização. “Enquanto eu lamentava não ter uma camisa limpa para vestir de manhã, Dede, o Descamisado, tratava de rasgar violentamente as suas no meio da rua, camisas que lhe tinham sido oferecidas.” Na fé e na abnegação, Hayri não encontrou pão para pôr na mesa, nem uma camisa limpa. Passou o tempo da miraculosa intervenção divina, é chegada a hora de o homem tomar as rédeas da providência. 

Halit Ayarci é para Hayri, tal como Ataturk o foi para a Turquia, o homem providencial. Sob a alçada de Halit, que pertence à casta daqueles que “agarram , que se apoderam, que devoram e despedaçam aquilo que lhes agrada, e que depois partem em busca de algo novo”, Hayri há-de passar de madraço imprestável para “assistente de direcção de uma das instituições mais inovadoras e beneméritas do mundo” - o Instituto para o Acerto dos Relógios. Halit Ayarci é acima de tudo um homem prático. Para tudo possui uma solução, com um sopro desanuvia uma tempestade. Para o longo rol de queixumes e tormentas de Hayri, Halit oferece o desembaraço vácuo do pantomineiro experimentado. “Como vê, não há problema que não tenha solução. Alguns pequenos ajustes à sua vida, um pouco de empreendedorismo, um pouco de esforço, uma pequena mudança no modo de ver as coisas - e voilà! Tudo se altera.” Perante os protestos de Hayri, Halit é taxativo “O que é que ganha ao aceitarmos a realidade tal como ela é? (...) O que posso fazer com o material que tenho à minha frente, com este mesmo objecto e tudo o que ele tem para me oferecer? É esta a pergunta a colocar." A resposta de Halit a esta mesma pergunta foi agarrar em Hayri e nos velhos adágios sobre a natureza do tempo que herdara do seu antigo mestre relojoeiro e contratá-lo como fundador do Instituto para o Acerto dos Relógios.

Hayri está feliz com o seu novo emprego, contente por “já não [andar] de café em café à procura de uma cara conhecida”, mas não compreendia o trabalho que tinha que realizar,  “um posto nascido de um punhado de palavras”. O antiquado Hayri não compreende o aperfeiçoamento da burocracia, as discussões para cargos directivos, a contratação de familiares de modo a “abafar à nascença todo o tipo de queixas”, a contratação de trabalhadores excedentários para, quando aparecerem os relatos de gastos excessivos do Instituto, tenham “dois ou três funcionários que possamos sacrificar tranquilamente, se quisermos mostrar ao público que as nossas intenções são as melhores.” O que Hayri não entende e que Halit insiste em tentar convencê-lo de, é que é chegada a era da burocracia, que esta atingiu o seu zénite, e que estão no “processo de fundar uma instituição absoluta - um mecanismo que define a sua própria função. O que poderia estar mais próximo da perfeição do que isso?” 

Hayri nunca será capaz de vestir a pele de burocrata perfeito. É demasiado conservador e antiquado para os padrões destes novos visionários. Nele convivem lado a lado o novo e o velho, o progresso e a crendice. Tanpinar acerta em cheio no modo como desenha a incredulidade de Hayri perante o absurdo que o rodeia. É pelo olhar espantado dele que vemos o presidente da câmara a inspeccionar os escritórios ainda vazios de gente do Instituto e a “converter meia dúzia de passos até à sala seguinte numa viagem de meia hora”, enquanto examina “candeeiros de escritório (ainda sem lâmpadas), que prometiam longas e ininterruptas noites de trabalho”. Sente-se vivamente a indignação de Hayri diante dos delírios hollywoodescos da esposa, que vivia a vida como se fosse uma das atrizes que via nos filmes, que se convenceu que Hayri era parecido com Napoleão porque ambos adoravam azeitonas secas, e que disse numa entrevista que o marido era “um razoável cavalheiro, um excelente nadador e de vez em quando jogava ténis”. São palpáveis as suas hesitações entre acreditar ou não, entre entregar-se aos factos ou repudiá-los em absoluto. Hayri mantém-se fiel a Halit, que lhe exige “crença genuína na importância do nosso trabalho”, que espera dele que acredite piamente na existência de Ahmet, o Cronologista, velho sábio sobre o qual Hayri escreveu uma biografia, mas que nunca existiu. “Duvidar da sua existência numa fase tão adiantada teria sido demasiado perturbador.”

O Instituto, que começava a internacionalizar-se, haveria de se esboroar pela base. Hayri, que se reinventara como uma espécie moderna de homem da renascença, artesão em vez de artista, foi responsável pela arquitectura do projecto megalómano e totalmente absurdo da nova sede do Instituto. A maquete do projeto, feita em casa com a ajuda do filho, era feita com caixas de fósforos. Quando se equacionou que Hayri utilizasse as suas recém adquiridas capacidades de engenheiro e arquitecto para construir um bairro para os trabalhadores do Instituto, a insurreição começou. “Quando o que estava em jogo era dinheiro público [as pessoas] mostravam-se generosas, entusiásticas, orgulhosas do meu trabalho e encantadas com as suas inovações; mas quando a coisa afectava os seus interesses pessoais, mudavam de partido. Aliás, até deixaram de dar ouvidos a Halit Ayarci”. O Instituto não desapareceu porque as suas intenções se tornaram obsoletas, aliás, nem essas intenções seriam suficientes para que o Instituto tivesse sido formado em primeiro lugar, “Qual é a necessidade de um instituto como este quando é tão fácil saber que horas são?”, mas antes porque enquanto instituição burocrática se tornou demasiado ufana para repetir o contorcionismo filosófico que tornou possível a sua criação. 

(Fonte: Jornal I)

domingo, 18 de abril de 2021

Séries turcas no catálogo da Netflix: The Gift

 


Uma artista de Istambul embarca numa jornada pessoal quando descobre os segredos universais de um sítio arqueológico na Anatólia que está ligado ao seu passado. 

 Elenco: Beren Saat, Mehmet Günsür, Metin Akdülger