quinta-feira, 24 de março de 2011

"Mel" de Semih Kaplanoğlu estreia hoje em Portugal



Semih Kaplanoğlu demonstra uma capacidade imaculada para se colocar entre o olhar dos adultos e o do miúdo protagonista, neste pertinente retrato da Turquia profunda. Urso de Ouro no Festival de Berlim do ano passado, "Mel" é o terceiro tomo da trilogia que fez de Semih Kaplanoğlu o cineasta turco contemporâneo mais conhecido internacionalmente a seguir a Nuri Bilge Ceylan. Os nomes dos outros dois filmes da trilogia são tão nutritivos como o deste: "Ovo" (que ganhou um prémio na primeira edição do Estoril Film Festival) e "Leite". Mas é com "Mel" que ele chega às salas portuguesas, e se ao espectador recém-chegado ficará a escapar o desenho do conjunto dos três filmes, conhecê-lo não é indispensável à fruição deste filme. De certo modo, "Mel", no seu conflito essencial, ilumina, ou pelo menos resume, o que está em causa na trilogia: um olhar sobre a província turca, captado na bifurcação entre um modo de vida tradicional (as coisas que a terra dá, ainda que por intermédio dos animais: os ovos, o leite, o mel) e a perspectiva de uma outra coisa, muito mais difusa, a que se podia chamar a "modernidade". De uma maneira que o filme não resolve (e a não resolução é o seu ponto), o miúdo protagonista simboliza esse impasse, no à vontade da sua relação com a natureza (as abelhas do pai, a floresta) e na falta de à vontade com as coisas da escola (a dificuldade em aprender a ler com uma "resistência", digamos, atávica). Imaginamos que este conflito, que o filme expõe sem retórica nenhuma e numa subtileza a toda a prova, é pertinente enquanto retrato da profunda Turquia contemporânea. O que serve, em todo o caso, como medida da inteligência de "Mel". Mas não é forçosamente aquilo que mais o distingue. Antes uma capacidade, imaculada, de se colocar entre o olhar dos adultos e o olhar do miúdo protagonista, para dar a ver um mundo que é sempre, ao mesmo tempo, muito misterioso e muito familiar - características que marcam, em especial, toda a relação com a natureza (a terra e as árvores, mas também o céu e as nuvens), com os seus silêncios mas sobretudo com os seus ruídos (os seres humanos de "Mel" falam pouco, mas em compensação a natureza palra que se farta). E Kaplanoğlu confirma-se como um adepto do plano-sequência expectante e desafectado: a cena em que o pai de Yusuf morre é extraordinária.

Mel (Bal)

De: Semih Kaplanoğlu

Com: Bora Altas, Erdal Beşikçioğlu, Tülin Özen

(Fonte: Ípsilon)

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