segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

"Edifício de Pedra", da romancista turca Aslı Erdoğan, lançado dia 15 em Lisboa


A romancista turca Aslı Erdoğan, cujo livro "O Edifício de Pedra" será lançado no próximo dia 15 em Lisboa, considera não ser possível "penetrar na experiência da tortura" através da literatura, mesmo que se tenha passado por essa situação extrema. 

 "Existem e conheço muitos livros sobre campos de concentração, em particular de ex-prisioneiros e sobreviventes, e o principal elemento é que não é possível penetrar nessa experiência", disse à Lusa a escritora, de 49 anos, natural de Istambul, em liberdade condicional desde 29 de dezembro após cinco meses de prisão por suspeita de atividades "subversivas". 

Em declarações por telefone desde Istambul, Aslı Erdoğan define "O Edifício de Pedra" - o seu primeiro romance traduzido para português - como uma obra sobre "tortura e enclausuramento". 

O livro, com a chancela da Editora Clube do Autor, com tradução de José Manuel Barata-Feyo a partir da edição em francês, está disponível a partir de 15 de fevereiro. 

"A minha principal questão foi saber até que ponto pode ir a literatura face a situações extremas como a tortura, ou campos de concentração", indica a autora com estudos em Física e Informática, detida em agosto de 2016 sob a acusação de vínculos com a guerrilha curda. 

Através de artigos publicados em jornais, não deixou de se pronunciar sobre os direitos da população curda e de outras minorias há muito acossadas pelos regimes turcos, incluindo pelo atual governo do Presidente Recep Tayyip Erdoğan. 

"As experiências extremas estão para além da linguagem", diz a escritora, que tentou encontrar uma linguagem "que pudesse tocar na essência" de uma experiência extrema. "Por exemplo, na literatura turca a tortura é geralmente abordada como uma questão de coragem ou resistência, enquanto na literatura latino-americana é geralmente encarada como uma tragédia", assinala. Assim, neste seu livro escrito em 2009 e publicado no ano seguinte, procurou uma nova abordagem. "Tentei transportar o mais sagrado e o mais sórdido, o mais feio, em conjunto. É por isso que no livro existe o homem louco e um anjo, que de facto são a mesma pessoa".

Galardoada em 10 de janeiro passado com o prémio Bruno Kreisky de direitos humanos concedido por uma fundação austríaca, a aguardar julgamento em liberdade condicional, Aslı Erdoğan é autora de oito livros, alguns traduzidos em França, Reino Unido e EUA, foi colunista e membro do conselho consultivo do diário da oposição pró-curdo Özgür Gündem, encerrado após o estado de emergência imposto após o fracassado golpe militar de 15 de julho. Acabou por ser detida com mais de 20 outros jornalistas e funcionários do jornal e está a ser julgada no seu país por quatro crimes diferentes. 

Ainda sobre "O Edifício de Pedra", afinal um romance tão atual, define-o com uma "metáfora", podendo ser "qualquer edifício de pedra, pelo mundo". A romancista ensaiou uma linguagem "musical e sofisticada", num livro que vai "de círculos em círculos" e onde a crítica destacou "uma doçura poética (...) em que a matriz é a tragédia humana" (Le Nouvel Observateur), "(...) um texto que faz pensar e sofrer. Tal e qual a grande poesia" (Le Monde des Livres) ou "um poema em prosa, escrito com a sensibilidade à flor da pele", como nota o tradutor Barata-Feyo. 

A romancista alerta no entanto para os limites desta incursão num mundo de sofrimentos. "Há um momento em que a literatura deve parar, não deve entrar na câmara de tortura e explicar o que sucede. Isso não será literatura, antes uma espécie de pornografia da dor", disse à Lusa. 

Após os seus 132 dias de detenção provisória, debilitada, diz recear "ter perdido alguma poesia" porque é difícil fazer poesia "em torno dos seus próprios traumas", mas continua a pensar que o tema da tortura não deve ser abordado diretamente numa obra literária. "Quanto mais círculos forem crescendo em redor mais poderosa prevalece", sustenta. Aslı Erdoğan também considera não merecer a designação de ativista dos direitos humanos, e diz que as colunas que escrevia para o jornal pró-curdo e proscrito contavam histórias de pessoas comuns assoladas pela tragédia, "o suficiente para ser punida". 

Proibida de sair da Turquia até à conclusão do julgamento, a autora manifesta particular preocupação com "sinais" que se avolumam no seu país. "Se o sistema é incapaz de digerir ou mesmo tolerar-me, mesmo a mim, isso significa que é um sinal muito sério. Quando os regimes se tornam cada vez mais totalitários mais jornalistas conhecem problemas, mas se começam a tocar nos artistas e nos escritores, isso significa que pretende garantir o monopólio da verdade". A escritora compara a atual situação na Turquia à década de 1930, essa "grande vaga de líderes populistas e autoritários" que alcançaram o poder em diversos países e com discursos muito semelhantes sobre liderança e patriotismo. "Na Turquia é um fenómeno mais evidente, na nossa história nunca tivemos instituições democráticas fortes, a nossa proximidade com um Médio Oriente sempre em convulsão torna a situação mais instável...", assinala. 

A preocupação com as minorias, sejam curdos, alevis (um ramo místico do islão e seguidores de Ali, com milhões de crentes na Turquia de maioria sunita) ou as mulheres "que apesar de serem em maior número que os homens são tratadas como uma minoria", é também uma constante em Aslı Erdoğan. "Todos estamos a pagar um preço, e à medida que o regime se tornar mais duro haverá cada vez mais pressão sobre todos estes grupos", frisou ainda, desde Istambul.

(Fonte: Notícias ao Minuto)

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