Luís Simões desenha os protestos em Istambul
Chegou à Turquia a 30 de Maio, um dia antes da onda de protestos ter rebentado, em Istambul. Luís Simões está a fazer uma viagem pelo mundo, a World Sketching Tour, e ficou surpreendido com o que viu na praça Taksim, naquela cidade. “Pelas artérias até Taksim havia muitas pessoas, ouviam-se gritos, alguns turistas bebiam cervejas tranquilamente, inconscientes do que se passava”, relata.
O que se passava era uma das várias manifestações na cidade turca. Começaram
por ser contra a decisão de construção de um centro comercial no parque Gezi —
um acampamento pacífico — e evoluíram para demonstrações de descontentamento com
o governo de Recep Tayyip Erdoğan.
“A violência da carga policial da madrugada de 31 de Maio, recorrendo a
gás-pimenta [sobre o acampamento pacífico], levou a que milhares se juntassem
durante o dia para protestar contra a actuação da polícia”, relata Pedro
Fernandes, a viver em Istambul desde 2012, junto a Taksim. “Decidi fazer a
cobertura desenhada do que se passava para registo futuro e para
partilhar com a comunidade de desenhadores Urban
Sketchers.”
“O cenário de guerra está montado entre Taksim e Beşiktaş e todas as noites
existem manifestações grandes nessa zona, assim como pequenos movimentos por
toda a parte em Istambul”, diz Luís. Os dois portugueses — um recém-chegado, o
outro já habituado à cidade — estiveram juntos a desenhar, após os confrontos
com a polícia, no bairro de Beşiktaş, e ainda sofreram as consequências do
gás-pimenta.
Para Luís foi “impressionante” poder registar, no papel, o que acontecia. “A
minha mão tremia muito e foi difícil estar concentrado [...] Havia o medo de que
a polícia voltasse a atacar a praça e corria o perigo de ficar ali preso”,
descreve. “A verdade é que ainda não consegui digerir bem tudo o que está a
acontecer e sempre que olho para o desenho fico incomodado.”
Um domingo (quase) normal em Gezi
Depois de sexta-feira e sábado (31 de Maio e 1 de Junho, respectivamente)
terem sido dias agitados, Pedro decidiu passar pelo Parque Gezi — cuja hipótese de
destruição despoletou os protestos — “para ver como estavam as coisas”, no
domingo. “O ambiente era ‘piqueniqueiro’, muitas famílias tinham trazido as
crianças para brincar no parque infantil”, retrata.
Enquanto isso, em Taksim, “jaziam carcaças de automóveis” e as pessoas
“passavam em frente das retro-escavadoras esventradas”. “Tentei desenhar o
enorme aparato policial em Beşiktaş, mas sempre com bastante prudência e
discrição. Houve tantas detenções e espancamentos aleatórios nestes últimos
dias... — e eu nenhuma vontade tinha em fazer parte dessa estatística”, confessa
Pedro.
A reacção de quem passa e vê pessoas a desenhar “varia muito”: muitos acham
“curioso” e param para olhar, outros fotografam, refere Pedro. Há quem tente
conversar num misto de “turco inglês e até alemão” e quem “peça desculpa pela
actuação da polícia”. Uma perguntou-lhe, ao saber que era
estrangeiro, se teve medo. “Só da polícia”, respondeu.
Neste momento, diz, vive-se um impasse. “O primeiro-ministro recusa
demitir-se, rejeita o recuo na construção do empreendimento de Taksim e acusa os
manifestantes de serem anti-democráticos e estarem a ser manipulados pela
oposição”, esclarece. Os manifestantes mantêm o cerco ao palácio de Dolmabahçe e
as manifestações continuam em várias cidades turcas — as mais violentas em
Istambul e Ancara.
(Fonte: Público)
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