O escritor Orhan Pamuk, autor de "O Meu Nome é Vermelho", "Neve" e de meia dúzia de outros romances, ganhou ontem o Prémio Nobel da Literatura "pelo conjunto do seu trabalho, que analisa o cruzamento das culturas muçulmanas e ocidentais."
A academia sueca disse que Pamuk, "na busca da alma melancólica da sua cidade natal [Istambul], descobriu novos símbolos para o confronto e entrelaçar de culturas."
O escritor de 54 anos, para além de ser o escritor turco mais conhecido no estrangeiro, é também um rebelde político, cujas opiniões sobre a história do seu país, alertaram a comunidade internacional para a questão da liberdade de expressão no seu país.
"No seu país natal, Pamuk tem reputação de comentador social, mesmo apesar de se considerar principalmente um escritor de ficção sem agenda política," referiu o júri do Nobel.
As aspirações antigas da Turquia de se tornar europeia, caracterizadas por confrontos entre o islamismo e o secularismo, e entre a tradição e a modernidade, e o impacto doloroso da ocidentalização agressiva depois do colapso do Império Otomano, permeiam a escrita de Pamuk.
Pamuk foi o primeiro autor no mundo islâmico a condenar publicamente a fatwa (sentença de morte) em 1989 contra Salman Rushdie, e esteve ao lado do seu colega turco Yaşar Kemal quando este foi a julgamento em 1995.
Ele próprio teve de enfrentar um processo judicial depois de ter declarado a um jornal suiço que 30 mil Curdos e um milhão de Arménios tinham sido mortos na Turquia. As queixas contra ele desencadearam protestos internacionais e foram retiradas.
Pamuk é o primeiro Turco a ganhar o prestigiante prémio, e existiam rumores de que era considerado o favorito.
Fumador compulsivo, a maior parte das vezes afastado dos olhares públicos, escreve durante muitas horas num apartamento de Istambul com vista para a ponte sobre o Bósforo que liga a Europa à Ásia.
Nasceu em 1952 numa família próspera e secular, decidido a tornar-se pintor durante a juventude. Estudou arquitectura na Universidade Técnica de Istambul, mas mais tarde voltou-se para a escrita, estudando jornalismo em Istambul.
Publicou o seu primeiro romance premiado "O Senhor Cevdet e os Seus Filhos" em 1982, uma crónica familiar onde descreve a transferência de uma família de um ambiente tradicional otomano para um estilo de vida mais ocidental.
O seu segundo romance, "A Casa do Silêncio" foi publicado na Turquia em 1983, mas foi o seu terceiro livro, "A Cidadela Branca", publicado dois anos mais tarde, que lhe deu fama internacional. Estruturado como um romance histórico desenvolvido na cidade de Istambul do século XVII, "o seu conteúdo é primordialmente uma história sobre como o nosso ego se constrói em histórias e ficções de diversos tipos. A personalidade é mostrada como uma construção variável", revelou a academia sueca.
Em 2000, com o romance "O Meu Nome é Vermelho" - uma história de amor, assassínio misterioso e discussão sobre o papel do individualismo na arte - Pamuk explora a relação entre o Oriente e Ocidente, descrevendo a diferente relação de um artista com o seu trabalho em cada cultura.
O seu último livro, "Neve" foi aclamado pela crítica. A história tem lugar em Kars, uma vila fronteiriça, outrora uma cidade na fronteira entre o Império Otomano e o Império Russo.
"O romance torna-se uma história de amor e de criatividade poética, como se inteligentemente descrevesse os conflitos políticos e religiosos que caracterizam a sociedade turca dos nossos dias," comentou ainda a academia.
Pamuk receberá o Prémio Nobel no valor de 1,37 milhões de dólares e também uma medalha de ouro e um diploma, das mãos do rei sueco Carl XVI Gustaf numa cerimónia formal em Estocolmo no dia 10 de Dezembro, o aniversário da morte de Alfred Nobel, o fundador dos prémios Nobel em 1896. No ano passado a honra coube ao dramaturgo britânico Harold Pinter.
O prémio da literatura foi o quinto de seis prémios Nobel a serem entregues este mês, com os prémios da Medicina, Física, Química e Economia a irem para os Estados Unidos. O Prémio Nobel da Paz foi atribuído hoje a Muhammad Yunus do Bangladesh.
Pamuk estava em Nova Iorque, onde dá aulas na Universidade de Columbia como professor visitante, quando o prémio foi anunciado.
Numa entrevista ao canal CNN-Türk no ano passado, Pamuk disse que as cerimónias de entrega de prémios e as feiras do livro fizeram com que não terminasse um romance que começou há três anos atrás. O livro chama-se "O Museu da Inocência", desenrola-se na alta sociedade de Istambul e é sobre a paixão de um homem por uma mulher. "Escrevemos o romance político, agora escrevemos a história de amor," disse. Revelou também que espera terminá-lo no final deste ano.
Pamuk: "Este Nobel é para toda a Turquia, os Turcos e a língua turca"
Numa conferência de imprensa ontem, em Nova Iorque, onde está actualmente como professor visitante na Universidade de Columbia, Orhan Pamuk disse aos jornalistas que o Prémio Nobel da Literatura não foi só atribuído a ele, mas a toda a Turquia, cultura turca e língua turca. Disse: "Hoje só gostaria de celebrar esta boa notícia. Não há nada mais que eu queira dizer ou comentar." Referiu ainda que tinha recebido de manhã a notícia através de um telefonema da Academia Sueca. "O presidente da Real Academia Sueca telefonou-me e perguntou-me se eu aceitaria o prémio. Eu disse que sim."
Pamuk disse aos jornalistas esperar que o prémio permita desenvolver o perfil da literatura turca no mundo, e acrescentou: "Eu penso que este prémio vai fazer com que o mundo reavalie a cultura turca como uma cultura de paz e como uma mistura de culturas de Oriente e Ocidente. Os meus livros são a prova de que de facto a Turquia faz parte tanto do Oriente como do Ocidente."
Pamuk não aceitou responder a nenhumas questões sobre o controverso Código Penal Turco, nem sobre as suas anteriores declarações sobre o "genocídio" arménio e sobre confrontos culturais.
Turquia exaltada e dividida sobre a atribuição do NobelSe por um lado houve uma grande exaltação na Turquia por um Turco ter recebido um Prémio Nobel pela primeira vez, por outro lado, a conquista de Orhan Pamuk foi manchada por declarações de que o prémio foi um resultado directo da controvérsia em seu redor.
Pamuk, que em 1998 rejeitou o louvor do Estado turco de "Artista do Estado", foi julgado em tribunal no início deste ano, por declarações controversas que desafiaram a versão oficial dos massacres de Arménios que a Turquia diz não se tratar de um genocídio.
O caso, no qual se arriscou a uma pena de até três anos de prisão, foi encerrado em Janeiro deste ano, depois de uma única audição, perturbada por protestantes de extrema-direita que atacaram e vaiaram o autor. O julgamento foi precedido de ameaças de morte, e um governador de província ordenou a destruição dos livros de Pamuk – um movimento que o Governo cancelou de imediato, receoso de que as suas credenciais democráticas fossem impugnadas aos olhos da União Europeia.
Alguns oponentes até alegaram que a intenção de Pamuk seria um movimento calculado para reforçar a sua fama internacional e trazer o Prémio Nobel para as suas mãos.
Foi ironicamente o presidente francês Jacques Chirac que se manifestou feliz por Pamuk ter recebido o prémio pela sua escrita “inteligente, forte e liberal", mesmo antes do seu homólogo turco, Ahmet Necdet Sezer, ter feito qualquer comentário sobre o assunto.
Na Turquia, o vice-secretário de Estado do Ministério da Cultura e Turismo, Mustafa İsen, comentou: “Estou muito feliz e congratulo-o" acrescentando, "só me interessa Pamuk como romancista. As suas outras acções não são do meu interesse. Eu penso que ele é um bom romancista e acredito que ele ganhou este prémio pelos seus romances."
Ahmet İnsel, um académico proeminente e editor na Iletişim, editora turca de Pamuk, disse que o autor mereceu inteiramente o prémio pelas suas qualidades literárias. "Nós estamos muito felizes. Pamuk é um representante importante do romance moderno no mundo". Acreditamos que ele merece inteiramente o prémio", disse İnsel ao canal de televisão turco NTV. Relativamente à controversia que rodeia o autor, İnsel disse, "se olharmos para a longa história da atribuição dos prémios Nobel da Literatura, constatamos que os autores que ganharam, fizeram declarações políticas importantes sobre o futuro dos seus países e sobre o mundo. Pamuk ganhou o prémio como romancista. Isso é uma honra para a Turquia e para a literatura turca," disse.
Metin Celal, presidente do sindicato de editores turcos, disse que o sucesso de Pamuk irá tornar a literatura turca mais popular. "Este é um dia histórico. Eu acredito que irá desempenhar um importante papel na promoção da Turquia e da literatura turca, porque os escritores de todo o mundo estão agora curiosos sobre a literatura que criou,” disse ao canal de televisão CNN-Türk.
Buket Uzuner, uma popular autora turca, concordou. "Estou orgulhosa por um dos meus conterrâneos ter ganho o prémio," disse. "É irónico que Pamuk tivesse recebido o prémio no mesmo dia da votação na Assembleia Nacional Francesa. Mas o centro da questão, claro, é que ele é um bom romancista," disse.
O líder do Partido Republicano do Povo (CHP) Deniz Baykal, disse que a Turquia devia de estar orgulhosa da conquista de Pamuk, pelo menos porque ele mostrou a presença da literatura turca no palco internacional, acrescentando que “esse é o ponto onde temos de nos concentrar hoje.”
Zülfü Livaneli, romancista, compositor, cantor, deputado e amigo de Pamuk, disse que o prémio irá colocar a literatura turca no mapa mundial. "São notícias muito boas, as de que a literatura turca recebeu um Prémio Nobel," disse. "Não deveríamos avaliar isso na actual atmosfera política, mas olhar numa perspectiva de longo prazo. Este acontecimento vai mostrar que existe uma coisa que se chama literatura turca," disse.