quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O Festival do Sacrifício (Kurban Bayramı)


Começa amanhã o Festival do Sacrifício (Kurban Bayramı), celebrado nos países muçulmanos dois meses e 10 dias depois do Festival do Ramadão ou Festival dos Açúcar (Ramazan Bayramı / Şeker Bayramı).
Esta celebração dura quatro dias, e este ano começa amanhã, dia 20, e prolonga-se até ao dia 23. Durante esse período, principalmente no primeiro dia, é morto um sem número de cordeiros, mas também vitelas, vacas, carneiros e até camelos, em louvor a Deus e para alimentar os pobres. Actualmente esta prática costuma decorrer em estabelecimentos próprios para o efeito, até porque deixou de ser legal abater os animais à porta de casa ou na via pública. No entanto, nas aldeias e pequenas vilas, quase todas as pessoas abatem os animais à porta de casa.
Esta tradição tem origem na história bíblica do sacrifício do filho de Abraão. Consta no Pentateuco que, certo dia Abraão teve um sonho que lhe revelou que tinha de sacrificar a Deus o seu filho Isaac. Abraão decidiu obedecer, mas tratava-se apenas de um teste à sua fé. No último momento, quando este se preparava para matar o filho, um anjo pediu-lhe para parar e deu-lhe um cordeiro para este sacrificar a Deus.
Os muçulmanos mantêm a tradição de Abraão no sentido literal, abandonada pelos judeus e pelos cristãos. Dão grande importância à história do sacrifício do filho de Abraão, em redor da qual giram as festividades do Kurban Bayramı. Mas existe uma diferença interessante na versão islâmica: para os muçulmanos, o filho de Abraão a ser sacrificado é Ismael e não Isaac, porque Ismael é considerado o pai dos muçulmanos, ao passo que Isaac é considerado pai dos judeus. Contudo, o Corão nunca menciona nenhum dos dois nomes, o que torna esse facto não totalmente consensual.

No ritual do Kurban Bayramı, todos os muçulmanos adultos com alguma riqueza devem sacrificar um animal. Muitas vezes, várias famílias juntam-se e compram um mesmo animal. O animal pode ser comprado várias semanas antes e ser alimentado no quintal ou jardim até ao dia do sacrifício. Um terço da carne deverá ser para consumo próprio, e a restante deverá ser distribuída pelos vizinhos e familiares e, principalmente, pelos pobres. Com a carne resultante do sacrifício, a família reune-se à volta da mesa e o espírito é semelhante ao do Natal, por exemplo. Eventualmente podem também ser convidados vizinhos e amigos. Para muitas famílias que vivem em dificuldades, esta é a única altura do ano em que têm abundância de carne à mesa. Contudo, esta tradição tem decrescido na Turquia nos últimos anos, por razões ideológicas ou por preocupações com os direitos dos animais. Os media turcos têm criticado as “cenas sangrentas” nas grandes cidades, olhadas como um embaraço para a Turquia moderna. Para os Turcos mais “refinados”, os ritos do Kurban Bayramı são retrógrados e repulsivos. Outros Turcos mais conservadores criticam a perda do sentido religioso do Kurban Bayramı. Durante estas mini-férias, muitos Turcos viajam para fora do país ou para as estâncias mais turísticas dentro do próprio país.
O outro bayram também é um pouco controverso. Enquanto que os Turcos conservadores preferem chamá-lo de Festival do Ramadão, os Turcos seculares preferem denominá-lo de Festival do Açúcar. Há quem veja nesta controvérsia uma dicotomia entre o mundo urbano e o mundo rural. Na Turquia dos alvores da República, a religião preservava-se principalmente no campo, e existia um oásis de vida moderna nas cidades praticada por uma élite. Nos anos 50, e principalmente a partir dos anos 80, deu-se uma migração maciça das aldeias e pequenas vilas para as metrópoles. Os que vieram das aldeias e que costumavam celebrar o Kurban Bayramı e sacrificar os animais à porta de casa e nos campos contíguos, fazem-no agora perto das auto-estradas e nas ruas.
Também não é consensual entre vários teólogos a realização deste sacrifício anual, que se realiza ao mesmo tempo da peregrinação anual a Meca, até porque, ao contrário desta última, não aparece clarificado no Corão.
Sacrifícios à parte, esta celebração tem uma vertente muito social e, claro está, gastronómica. Neste aspecto tudo é muito semelhante ao que se passa no Festival do Ramadão ou dos Doces.
É a altura em que muitos Turcos visitam a família, começando pelos familiares mais velhos e prosseguindo depois com as visitas aos vizinhos e amigos. O importante é que os mais velhos sejam visitados primeiro pelos mais novos.
É praticamente uma regra oferecer aos “convidados” e às crianças que batem às portas, rebuçados e chocolates. Os doces, como o lokum e a baklava, são reis nas mesas nestes dias, assim como os börek, os rolinhos de folhas de videira (sarma), entre outros, que se oferecem às visitas que vão aparecendo. Em resultado da abundância de carne nestes dias, são também confeccionados pratos de carne típicos da culinária turca.
A frase mais ouvida nestes dias é iyi bayramlar, ou seja, boas festas!

Ver também:

Sem comentários: